A Essência dos Vinhos do Dão

Com raiz no latim, a palavra ‘destilar’ tem origem nos conceitos de ‘gotejar’ ou de ‘cair gota a gota’. Ora, o que propomos aqui é precisamente destilar a identidade dos vinhos do Dão através dos predicados das suas notáveis gotas. Para isso, iremos descobrir os adjetivos que melhor a definem em termos sensoriais.

Não é tarefa simples. Para lá da sua carga histórica e riqueza em castas autóctones, o Dão é reconhecido por uma enologia de vasto espectro e carácter plural.

Mesmo assim, certas qualidades intrínsecas emergem consistentemente nestes vinhos. Porém, antes de mencionarmos os adjetivos que os separam de outros vinhos, falemos dos traços que os unem numa singularidade coerente.

Os Traços Mútuos dos Vinhos Tintos do Dão

Tipicamente de cor rubi enquanto jovens, os tintos podem adquirir pinceladas grená ou de tijolo com o envelhecimento. Intenso e complexo, o seu aroma é usualmente expresso por fruta preta madura; por vezes, é também acompanhado por um séquito de notas florais - exemplo das notas de violeta associadas à Touriga Nacional - e por sugestões balsâmicas, silvestres ou resinosas.

No palato, estes vinhos exibem sabores ricos mas delicados. Não lhes falta, porém, corpo e estrutura. O equilíbrio é característica basilar, com uma acidez de agradável acutilância na sua frescura e vivacidade. O final tende a ser longo, persistente.

Por fim, os seus taninos firmes e bem integrados contribuem sobremaneira para a longevidade dos Dão. De facto, o elevado potencial de envelhecimento é uma das marcas distintivas dos tintos da região. O tempo passado em barrica ou garrafa pode levar ao florescimento de texturas aveludadas e de graciosos bouquets.

Após o repouso em carvalho, o tinto do Dão desvela mais serenidade e envolvência. A fruta negra amadurecida acaba por se cruzar com ecos de tabaco, terra húmida e especiarias doces num corpo onde a alma granítica encontra o polimento dos anos. E é neste contexto de elegância, estrutura e capacidade de evolução que surgem as frequentes analogias com os vinhos da Borgonha.

Os Traços Mútuos dos Vinhos Brancos do Dão

De tonalidade citrina predominante, os brancos exalam aromas frutados de notas também cítricas, ou de notas tropicais discretas, ou até de notas com ónus mais floral: como se percebe, no caso do perfil aromático, estes vinhos não alinham por um diapasão comum.

Mais incomum é o facto de apresentarem frequentemente apontamentos minerais, em especial nos vinhos agraciados pela casta Encruzado. Tão típica do Dão, esta casta dá origem a vinhos com assinalável potencial de guarda que tendem a desenvolver matizes vegetais, de resina ou de frutos secos como a avelã.

No palato, a cortante frescura está firmada numa acidez cristalina, harmoniosa e bem presente. Estes são vinhos requintados e multifacetados, com uma estrutura que surpreende. Por vezes exuberante, o final deixa uma impressão duradoura.

Os Adjetivos Definidores dos Dão

Chegou então o momento de adjetivar os vinhos da região. A escolha dos adjetivos teve como pontos de partida o terroir, as castas e as descrições recorrentes de especialistas. Tal abordagem pretende capturar o caráter destes vinhos, tanto na sua tradição como na sua expressão contemporânea.

São Vinhos Elegantes

A elegância clássica é o termo que surge de forma mais consistente nas descrições dos tintos e brancos do Dão. Tal qualidade é reflexo do equilíbrio polifónico entre os componentes do vinho, da graciosidade dos seus cheiros e sabores e da presença de uma sofisticação que evita a sobrecarga sensorial. Está também ligada à acidez vibrante, aos taninos finos dos tintos e à textura sedosa que muitos vinhos adquirem com o tempo. Sem dúvida, a elegância é a trave-mestra da identidade do Dão.

São Vinhos Complexos

Os vinhos do Dão raramente são amorfos ou unidimensionais. A complexidade é mencionada repetidamente e está traduzida na estratificação das camadas aromáticas e gustativas. Tal atributo nasce da lenta maturação das uvas, da riqueza intrínseca das castas empregues e da capacidade dos vinhos para evoluírem favoravelmente.

São Vinhos Frescos

Sustentada numa acidez natural quase omnipresente, a frescura é transversal aos mais arquetípicos vinhos do Dão. Tal qualidade é um resultado direto da altitude das vinhas e do clima continental com noites frescas. Esta frescura transmite vibratilidade aos vinhos, limpa o palato e constitui uma faceta essencial à sua excelente aptidão gastronómica.

São Vinhos Estruturados

Os Dão possuem uma trama estrutural que lhes dá substância e perenidade. Nos tintos, a estrutura assenta nos taninos provenientes de castas como a Aragonez ou a Touriga Nacional. Nos brancos, advém da combinação entre corpo e acidez.

São Vinhos Minerais

Mais evidente nos brancos de Encruzado, a mineralidade tectónica é uma expressão própria da matriz geológica da região. Veicula uma sensação táctil e aromática que evoca o giz, o sílex ou a pedra molhada. Ao conceder dimensão adicional e carisma muito particular, este é um predicado diferenciador face à maioria dos outros vinhos.

São Vinhos Gastronómicos

Este atributo transcende as simples sugestões de harmonização. Implica um equilíbrio inerente entre fruta, acidez e estrutura que os torna altamente versáteis à mesa. A qualidade gastronómica funciona, na verdade, como uma confirmação funcional da integração bem-sucedida dos outros adjetivos centrais – a frescura corta a gordura, a estrutura suporta pratos mais ricos, a elegância e complexidade complementam uma vasta gama de sabores.

A Destilação da Pura Essência do Dão

O Dão atual é palco de uma crescente diversidade vínica que em muito ultrapassa os perfis tradicionais. Os apreciadores já encontram tintos leves e centrados na fruta fresca, ou brancos pouco alcoólicos advindos de filosofias mais incomuns ou experimentais.

Isto significa que os nossos vinhos já não se acometem a simples emulações com a Borgonha: apesar de partilhar com a região francesa aspetos como a graciosidade ou a primazia da acidez fresca, o Dão há muito que ganhou uma personalidade própria e bem vincada que seduz sem esforço.

Tal personalidade resulta não só das uvas e da geografia, mas também do saber acumulado por gerações de enólogos, viticultores e produtores como a Quinta da Alameda. Cada gota dos vinhos do Dão encerra, num rico microcosmo, um líquido nobre feito de elegância, complexidade, frescura, estrutura, mineralidade e aptidão gastronómica.

Tais adjetivos (ou qualidades) não descrevem características isoladas, mas sim interdependentes. A elegância emerge do equilíbrio entre frescura e estrutura. Por outro lado, a complexidade nasce da interação entre os aromas e sabores primários, a estrutura do vinho e a sua evolução no tempo. Já a frescura e a estrutura são os pilares que sustentam a aptidão gastronómica e o potencial de guarda. E a mineralidade compõe uma camada sensorial específica que se expressa no seio desta paisagem sensorial de equilíbrio e complexidade. Esta é, enfim, a essência destilada dos vinhos do Dão.