A Região Demarcada do Dão: Os Vinhos e a História

A Região Demarcada do Dão é um local onde serranias ancestrais pontificam sobre um planalto de beleza agreste e carácter anguloso. No entanto, os vinhos nascidos nesta paisagem nada possuem de agreste ou anguloso.

Bem pelo contrário, o Dão é berço de vinhos marcados pela graciosidade e perfeito equilíbrio. Num paralelismo com a música, estes são vinhos para aqueles que preferem a elegância magistral do Prelúdio para Violoncelo de Bach à pomposidade e robusto maximalismo do Te Deum de Lully.  

No Dão, tal como Bach fez com a sonoridade austera do violoncelo, a vinificação suaviza os elementos mais duros do terroir para deixar uma essência feita de requinte e delicadeza. No final, os traços deste território apenas ficam substanciados na acidez vibrante, na mineralidade telúrica e na subtil complexidade aromática dos seus vinhos.

Dado o garbo da sua oferta vinícola, não admira que os parisienses de há 120 anos atrás tenham apelidado o Dão de ‘Borgonha do Sul’. Estes tempos da Belle Époque assinalaram o auge do prestígio da região no exterior. Porém, o que aconteceu ao Dão nos tempos seguintes pouco teve de belo.

O Dão e as Suas Transmutações

Território de méritos incontestáveis, o Dão é hoje um lugar onde o vinho nasce de um diálogo coerente entre os elementos naturais e os elementos culturais que preenchem cada garrafa. Mas nem sempre foi assim.

De facto, o prestígio da região passou por uma fase de declínio acentuado durante a segunda metade do século XX. Tal ocorreu devido à ênfase dada ao volume de produção em detrimento da sua qualidade.

A partir da década de 1940, o regime de Salazar decidiu centralizar o Dão como principal fornecedor de vinho para o país. Sob esta política, os produtores e adegas independentes foram proibidos de produzir ou comercializar o seu próprio vinho. Ao invés, foram obrigados a entregar a colheita a cooperativas que detinham o monopólio da produção.

Isto interrompeu bruscamente a cultura da vinificação independente no Dão. O foco no baixo custo e na produção indistinta em massa resultou, é claro, numa queda significativa da valorização e dos predicados da oferta.

Depois de os vinhos da região terem ganho ampla notoriedade no século XIX - período em que foram até exportados para exigentes mercados, como o francês – esta foi uma escolha com consequências gravosas.

E assim, por um período, se perdeu a coerência. Ao desconectarem o vinho da sua tradição e dos seus elementos naturais, as más opções da altura desconectaram também os cânones da sua alma, da sua pureza e da sua autenticidade.

Estes cânones são, precisamente, aquilo que os vinhos da Quinta da Alameda pretendem resgatar. Os nossos vinhos são puros Dão.

Felizmente, a região encetou novo rumo a partir da década de 1990. Sem surpresa, o impulso foi dado por pequenos produtores que aliaram técnicas de vinificação modernas às práticas tradicionais desenvolvidas ao longo de milénios.

A Região Demarcada Através da História

Chão de vinhos milenares e aristocráticos, o Dão ostenta vestígios de práticas vinícolas que antecedem muito a própria formação de Portugal.

Com efeito, nos interlúdios dos seus combates, não é impossível que o próprio Viriato tenha degustado os tintos graciosos deste território no coração lusitano. Os Romanos certamente o fizeram.

No período da romanização, é bastante provável que os vinhos fossem mais tânicos do que atualmente.

Mais tarde, durante a Idade Média, a viticultura no Dão ganhou ainda maior relevância com o aperfeiçoamento das técnicas de cultivo e produção por parte dos conventos beneditinos e mosteiros cistercienses. É de lembrar que os monges da Ordem de Cister foram os primeiros a cunhar o termo ‘terroir’ justamente na Borgonha medieval.

O fim deste período medievo foi precipitado pelas Grandes Navegações. Ora, segundo a lenda, antes da expedição portuguesa para conquistar Ceuta em 1415, o vinho da região foi servido em festividades luxuosas organizadas pelo Infante D. Henrique em Viseu. Se assim foi, um dos períodos mais transformativos da história humana – a Era dos Descobrimentos e subsequente expansão europeia pelo mundo – teve um início regado com Dão.

Apesar de ser reconhecido como uma bebida régia, o consumo dos vinhos do Dão esteve provavelmente confinado ao mercado regional até ao século XIX. Ao contrário do que sucedia no Douro, a ausência próxima de grandes vias navegáveis dificultava sobremaneira o seu transporte.

Todavia, apesar de conturbado, o século XIX viria a testemunhar um período de crescimento e prosperidade para a indústria vinícola do Dão. Os seus vinhos foram exportados para vários países europeus, onde eram elogiados pela sua qualidade e propriedades gastronómicas.

No entanto, o Dão apenas foi reconhecido como região demarcada em 1908. Mesmo assim, constituiu a primeira região de vinhos não licorosos a receber tal distinção em Portugal.

Isto resultou de um forte movimento liderado por enólogos de renome como António Augusto de Aguiar. Este, como muitos outros, identificou acertadamente os atributos de exceção dos vinhos aí nascidos. Mas de onde surgem tais atributos?

A Alquimia Particular dos Vinhos do Dão

Estes atributos advêm da alquimia que junta terroir, castas e saber-fazer. Situada na Beira Alta, a Região Demarcada do Dão está circundada por cadeias montanhosas que escudam os vinhedos dos ventos marítimos de oeste.

Isto é bem evidente a quem chegue a partir das passagens do Caramulo: para onde quer que olhe, o horizonte distante é quase sempre entrecortado por uma linha azulada de muralhas rochosas.

Estas montanhas também moderam a influência continental com origem no leste da massa ibérica.

Desde as altitudes onde nascem até aos pontos mais baixos, os rios que sulcam a região - o Alva, o Mondego e o próprio Dão - desenham um trajeto que se conforma à estrutura rígida e declivosa de um substrato onde a infiltração da água é rápida e a retenção é mínima.

Tais disposições criam um contexto muito distinto das demais regiões vinícolas do país.

Na verdade, a influência do terroir é talvez mais evidente na região do Dão do que em qualquer outra de Portugal.

Aqui, na sua maioria, as vinhas prosperam entre os 400 e os 800 metros de altitude. Esta altitude sujeita as uvas a amplas variações térmicas que ajudam na definição da estrutura, da complexidade e dos suaves taninos dos vinhos.

Por outro lado, os seus solos ácidos, graníticos e inférteis obrigam a que as videiras se esforcem por encontrar água e nutrientes em profundidade. Como resultado, as uvas nascem mais pequenas, mais concentradas e com perfis sensoriais mais enriquecidos.

Caracterizado pelo contraste entre verões áridos e quentes e invernos frios e chuvosos, os mesoclimas da região também favorecem uma maturação lenta e metronómica dos cachos.

Esta feliz combinação de fatores transmite aos vinhos do Dão uma identidade única que merece ser exaltada não só agora, mas também no futuro: afinal, estes são vinhos colecionáveis e com invejável potencial de guarda.

Aqui, entre outras castas autóctones, a Encruzado e a Touriga Nacional atingem culminações de grande elegância que intrigam os sentidos e vivificam o palato. Estas duas filhas da terra são, respetivamente, das mais admiradas castas dos brancos e tintos de Portugal.

Mas não são, todavia, as únicas protagonistas do Dão: considerada uma autêntica ‘Arca de Noé das castas Vitis vinifera’ por Paul White, a região conta com cerca de 70 castas nativas ou que aí se estabeleceram há incontáveis gerações. Baga, Barcelo, Uva Cão, Alvarelhão, Tinta Pinheira e Alfrocheiro Preto são exemplos dessa riqueza e profusão.

Este contexto e estas castas exigem a observância rigorosa dos preceitos de distinção do Dão. Na Quinta da Alameda, por exemplo, operamos numa lógica de intemporalidade baseada em práticas sustentáveis que preservem e respeitem o terroir. Aqui, são apenas usadas uvas de inexcedível qualidade que permitam a criação de vinhos pautados pela frescura, harmonia, autenticidade e suprema elegância. Tal e qual um prelúdio de Bach para violoncelo.