Tinham já subjugado os amargos inimigos Cartagineses no sul da Península Ibérica. No entanto, os Romanos ainda não tinham conseguido conquistar o restante território peninsular para norte. A raiz dessa incapacidade tinha um nome bem definido: Viriato.
Líder dos Lusitanos e brilhante chefe militar, Viriato derrotou sucessivamente as legiões de Roma ao longo de quase uma década. Os Celtas, Celtiberos e outros povos lutaram a seu lado para preservar a liberdade e independência. No entanto, por traição e artimanha, essa prolongada luta iria acabar 139 anos antes do nascimento de Cristo.
Incapaz de o derrotar em batalha, o general Servílio Cepião decidiu subornar três companheiros de Viriato para que o assassinassem. E assim foi. O líder lusitano seria morto durante o sono com múltiplos golpes na garganta. Porém, quando procuraram o pagamento por tão vil ato, os três assassinos foram prontamente executados por Cepião. ‘Roma não paga a traidores’, afirmou o general romano.
Mas Roma iria pagar - e bem - por algo criado com esta transição no poder ibérico: o vinho de influência romana produzido no que hoje é Portugal. Mas como moldaram estes conquistadores a enologia e viticultura do nosso país?
Os Romanos tentavam cultivar a vinha onde quer que assentassem. Os novos assentamentos eram usualmente fundados por legionários reformados que traziam consigo o conhecimento da viticultura romana. Daí que, no seu avanço para norte, tenham expandido esta viticultura do atual Alentejo até às íngremes margens do Douro.
Aquando da chegada dos Suevos e Visigodos, já por aqui existiam vinhedos vastos e produtivos - incluindo, muito possivelmente, na presente região do Dão.
Tal expansão da vinha resultou de um espírito experimental muito próprio dos Romanos. Por exemplo, foram eles os primeiros a escolher as castas de acordo com o solo e clima de uma dada área geográfica. Da fusão romana entre cepas autóctones e externas emergiu uma diversidade que ainda hoje define boa parte do carácter vinícola de Portugal.
Provavelmente por influência fenícia e grega, os Celtas e os Lusitanos já possuíam métodos rudimentares de produção vinícola. Mas os Romanos iriam modificar essas tradições de acordo com uma abordagem coerente na arte de cultivar videiras.
Isto foi refletido em inovações como a condução da vinha em latada, a qual maximizava a exposição ao sol e favorecia a circulação das massas de ar. Em complemento às suas podas metódicas, também selecionavam apenas os melhores cachos e bagos para a produção de vinho. Esta é uma prática que continua a ser emulada nas tradições de produtores como a Quinta da Alameda.
Além disso, através das suas avançadas técnicas de enxertia, os Romanos criaram vinhas mais resistentes a doenças e a distintas condições edafoclimáticas.
A prensagem rudimentar dos povos ditos ‘bárbaros’ foi aperfeiçoada através da introdução de plataformas em pedra e de prensas de vigas de madeira. Todavia, apesar da sua pretensa barbárie, os povos de origem céltica também iriam influenciar os Romanos quanto ao uso de barricas no transporte e armazenamento do vinho.
Por felicidade, descobriram que a madeira das barricas melhorava amiúde o perfil aromático e a evolução do vinho. Mas a introdução destas barricas foi muito posterior ao uso dos chamados ‘dolia’, os grandes vasos de barro onde os Romanos fermentavam as uvas. Hoje, os Portugueses chamam-lhes ‘talhas’. Estas constituem o mais tangível e duradouro testemunho da herança de Roma em Portugal.
No Alentejo, ainda hoje se utilizam as talhas de acordo com uma prática que pouco mudou nos últimos 2000 anos. O barro, por ser um material poroso, promovia em demasia a microxigenação no interior destes vasos. Era por isso necessário besuntar as suas superfícies internas com pez, uma resina natural que impedia a oxigenação excessiva.
Os Romanos também perceberam que a qualidade do vinho dependia, em parte, do controlo da temperatura durante a fermentação. Este controlo da temperatura era realizado através do enterramento no solo das suas talhas.
Alguns relatos antigos mencionam também a higiene na vinificação e a prática do desengace antecipado dos cachos. Tal operação atenuava eventuais notas herbáceas e reduzia muito a aspereza dos taninos.
A cultura romana democratizou o acesso ao vinho a todas as camadas sociais. Dos escravos aos aristocratas, e quer fossem homens ou mulheres, todos podiam desfrutar de prazeres vínicos.
Por outro lado, a sua extraordinária habilidade na construção de pontes e estradas levou ao florescimento do comércio e exportação vinícola na bacia do Mediterrâneo e mais além. Os vinhos da Lusitânia eram exportados para várias partes do Império, desde a Gália até à Britânia.
Assim sendo, os Romanos não vieram apenas buscar sal, ouro, prata, cobre, cavalos e escravos ao presente território de Portugal. Também vieram buscar grandes quantidades de vinho, o qual era amplamente consumido no dia-a-dia, nas práticas médicas e nos rituais religiosos em honra de Baco.
Segundo algumas estimativas, em média, cada cidadão romano ingeria por dia o equivalente a uma garrafa atual de vinho. Em parte, isto pode ser explicado pelo facto de o vinho ser uma opção mais segura face à água contaminada da sua superpovoada Cidade Eterna. Curiosamente, o vinho era também usado como pagamento – mas apenas aos legionários e nunca, é claro, aos traidores.