‘Terroir’ é um termo enaltecido pelos viticultores e reverenciado pelos conhecedores de vinhos. Todavia, o conceito de ‘terroir’ continua a ter um significado algo nebuloso para a maioria das pessoas.
Apesar de ser aparentado à palavra ‘terra’, o termo ‘terroir’ não se refere somente ao solo sob as vinhas. O seu significado é muito mais profundo (e fascinante).
Na verdade, o terroir deve ser percebido como uma alma ou força viva que impregna os melhores vinhos com o seu carácter distintivo.
Através do terroir, cada gota destes vinhos é transformada numa história ancestral de lugar, tempo e tradição.
Imagine-se num amanhecer outonal a caminhar por entre vinhas, como as nossas na imagem acima.
O ar é frio e cortante, mas o calor do sol não tardará a aquecer a encosta suave onde se encontra.
Sob os seus pés, a terra húmida mas pouco fértil ainda se deixa imprimir de pegadas ténues após as primeiras chuvas do mês.
Granítico e com boa drenagem, o solo que percorre deixa poucos testemunhos destas chuvas de outono.
Porém, as ervas estão agora bem mais verdes depois de um verão seco e demasiado quente.
Após meses de ausência, há até pequenas flores amarelas a despontar aqui e ali.
E com o abrir matinal das flores chega também o sempre bem-vindo zumbido das abelhas e o trinado dos pássaros que aqui invernam.
Ao olhar para as montanhas que lhe rasgam o horizonte, percebe então que a neblina lentamente se fez em nuvens escuras e pesadas: afinal, o sol recuou e parece que vai novamente chover sobre as vinhas pintadas a amarelo e vermelho.
Mas não faz mal – a antiga adega está apenas a uns passos de distância e aí encontrará abrigo por entre as veneráveis barricas de carvalho.
Poéticos ou não, todos estes elementos naturais e culturais compõem muito mais do que um cenário paisagístico.
Na realidade, todos são participantes ativos na criação do vinho.
Do maior ao menor, cada um destes elementos deixa a sua assinatura no sabor, nos aromas, na textura e em todas as outras características dos vinhos gerados num dado tempo e lugar.
Na essência, é assim que se expressa o terroir.
O terroir encontra as suas raízes nas antigas tradições de vinificação, particularmente aquelas estabelecidas na Borgonha medieval pelos monges beneditinos e cistercienses.
Pacientes e meticulosos, estes monges observaram o impacto distinto que diferentes parcelas de terra tinham no vinho produzido.
Ainda que distantes apenas por dez ou vinte passos, uma das parcelas podia produzir o melhor vinho da abadia, enquanto a outra produzia o pior.
Esta constatação lançou as bases para o nosso entendimento atual de como o ambiente físico molda o vinho.
Mas hoje sabemos também que a geografia e o ambiente são insuficientes para explicar todas as qualidades dos vinhos mais singulares: é que o terroir é uma tradução da influência da natureza entrelaçada com a cultura e engenho humano.
Na Região Demarcada do Dão, por exemplo, o terroir assume um significado muito rico devido à nobreza e profusão de castas nativas. É o caso da casta Encruzado nos brancos e da Touriga Nacional nos tintos.
Envolto por um anfiteatro de montanhas, o microclima desta região oferece às vinhas um ambiente excecional de desenvolvimento.
Aliadas aos seus solos inclementes e altitudes elevadas, as dramáticas variações de temperatura diária tendem a gerar vinhos de notável elegância, equilíbrio, complexidade e potencial de envelhecimento.
Tais atributos estão bem incorporados nos vinhos da Quinta da Alameda. Aqui, cada garrafa encerra a beleza agreste da paisagem e as tradições centenárias de vinificação.
O solo é o primeiro e talvez mais importante elemento do terroir.
O solo determina a drenagem, o stresse que as plantas suportam e a assimilação dos nutrientes por parte das vinhas.
Assim sendo, dos calcários aos argilosos, passando pelos vulcânicos aos graníticos, os solos podem ter uma influência profunda nos atributos basilares dos vinhos.
No entanto, a relação entre o tipo de solo e as características dos vinhos é uma questão complexa e muito debatida.
Aqueles que acreditam que o solo tem influência no perfil sensorial dos vinhos afirmam, usualmente, que as relações são as descritas seguidamente.
Os solos calcários são conhecidos por veicularem acidez e frescura aos vinhos. Em regiões mais frias, estes vinhos tendem a apresentar cores mais intensas e uma elevada concentração de taninos.
Borgonha e Champagne são duas geografias que apresentam solos calcários.
Os solos argilosos retêm bem a água e estão frequentemente associados a vinhos de corpo mais cheio. Estes são usualmente robustos e exuberantes, com taninos intensos e sabores pronunciados.
Estes solos podem ser encontrados em locais como Pomerol, em Bordéus, ou em Rioja, na Espanha.
Os solos arenosos têm excelente drenagem. A pobreza de água obriga as videiras a focalizarem os seus recursos na produção de uvas mais pequenas e concentradas. Os vinhos têm poucos taninos, são mais pálidos, com pouco corpo, delicados e aromáticos.
Barolo, na Itália, ou Médoc, na França, são regiões com solos arenosos.
Os solos vulcânicos originam frequentemente vinhos com uma doçura salgada e notas de sílex ou fumadas. Tal como os arenosos, estes solos também obrigam as videiras a produzir uvas mais pequenas.
Santorini, na Grécia, ou o Pico, nos Açores, são territórios com solos vulcânicos.
Os solos xistosos, assim como os de ardósia, produzem normalmente vinhos opulentos e bem estruturados, com sabores intensos e aromas florais ou de especiarias.
Exemplos notáveis de regiões com estes solos incluem o Douro, ou ainda Priorat, na Catalunha.
Os solos graníticos, como os da Quinta da Alameda, exigem que as vinhas aprofundem as suas raízes para encontrarem água e nutrientes. A sua baixa fertilidade é essencial à qualidade dos vinhos. Estes são elegantes e frescos, com sabores complexos, excelente estrutura, acidez vibrante e notória mineralidade. Muitos são enaltecidos pela sua precisão e finesse.
Além de estarem presentes no Dão, estes solos também podem ser encontrados em Beaujolais ou no Vale do Ródano, em França.
O clima atua como maestro da vinha ao orquestrar o ritmo das estações e das colheitas.
A quantidade de luz solar, as flutuações de temperatura e a precipitação influenciam diretamente o amadurecimento das uvas, a concentração de açúcares e o equilíbrio entre sabor e acidez.
Em regiões com clima mais quente, como o Algarve ou partes da Califórnia, as uvas amadurecem mais rapidamente. Isto resulta em vinhos de corpo mais cheio, com menor acidez, maior teor alcoólico e usualmente com sabores a frutas maduras.
As temperaturas médias elevadas também podem gerar taninos menos refinados nos vinhos tintos.
Em regiões de climas mais frescos, como a Borgonha ou a Nova Zelândia, os vinhos exibem maior acidez, sabores mais subtis e menor teor alcoólico.
Tais regiões favorecem variedades de uvas como Pinot Noir e Chardonnay, que prosperam em temperaturas mais frias.
A região do Dão beneficia de um microclima único criado pelas montanhas que a rodeiam.
O Dão também desfruta de um contexto simultaneamente encenado pelo Atlântico a oeste e pela massa continental ibérica a leste.
As suas variações diurnas de temperatura são significativas e permitem que as uvas amadureçam lentamente enquanto mantêm a sua acidez natural.
O relevo é o terceiro pilar do terroir. A elevação de uma vinha, o declive das encostas e a sua exposição ao sol contribuem para a forma como as uvas crescem e amadurecem.
As vinhas plantadas a altitudes mais elevadas beneficiam de temperaturas mais frescas ao longo do ano. Este facto contribui para um processo de maturação mais lento e sincopado.
O amadurecimento gradual resulta em vinhos com sabores complexos e de maior acidez, tal como se vê no Dão.
Nesta região, as vinhas estão normalmente plantadas entre os 400 e os 700 metros acima do nível do mar.
A exposição e ângulo de inclinação das encostas também determina a quantidade de luz solar recebida pelas vinhas.
As encostas viradas a sul, por exemplo, recebem maior irradiação solar direta e levam a maturações mais rápidas.
Em contraste, as encostas viradas a norte tendem a produzir vinhos com sabores mais delicados.
Por fim, as orografias mais íngremes proporcionam melhor drenagem às videiras.
Mas os ‘grandes’ climas discutidos acima não são os únicos a forjar o terroir.
Na verdade, dentro de uma única vinha podem existir vários microclimas que criam variações subtis nas uvas.
Os microclimas são ‘pequenos’ climas contidos numa área muito restrita. São afetados pela inclinação e orientação do terreno, por florestas e até por corpos de água próximos.
As pequenas oscilações do clima levam a que vinhos feitos a partir da mesma casta, cultivada na mesma vinha e com o mesmo tipo de solo, possam ter sabores surpreendentemente diferentes.
Até agora apenas foram abordados os ingredientes ‘não vivos’ do terroir. Tecnicamente, estes são os denominados fatores ‘abióticos’.
Mas os seres vivos também desempenham funções determinantes no terroir.
Além de o tornarem mais ou menos propenso ao aparecimento de pragas e doenças, o ecossistema envolvente às vinhas afeta diretamente a fertilidade do terroir e o perfil sensorial dos vinhos aí nascidos.
Estes seres vivos incluem obviamente os fungos (benéficos ou não), a flora que cresce no meio e em torno das vinhas, a fauna que a povoa e os microrganismos que vivem no solo, nas videiras e nas uvas.
Hoje sabemos que a biodiversidade é um fator-chave na valorização do terroir de uma vinha.
Uma vinha biologicamente diversa, tal como a da Quinta da Alameda (imagem acima), não só é mais saudável como também é mais estética e resiliente.
A variedade de seres vivos sustenta uma complexa rede de segurança que ajuda a regular o habitat da vinha sem a necessidade de intervenções pesadas.
O elenco florístico que cresce dentro e em redor de uma vinha pode parecer meramente secundário às videiras. Mas isso não é de todo verdade.
As plantas ajudam a manter o solo saudável, controlam a erosão, fornecem textura ao substrato e gerem a distribuição e disponibilidade de água.
Tudo isto molda a qualidade das uvas e do vinho.
Os viticultores mais avisados preservam ativamente espécies vegetais específicas para enriquecer o solo e promover a biodiversidade. É isto, na realidade, o que fazemos na Quinta da Alameda.
As plantas autóctones influenciam a assimilação de nutrientes pelas videiras e podem, quiçá, contribuir para a estrutura, mineralidade e compostos aromáticos do vinho resultante.
Os aromas e os sabores do vinho são assim uma expressão direta do ambiente vivo que permeia as videiras.
No Dão, a flora nativa constituída por espécies como os belos medronheiros e os majestáticos carvalhos cria um ambiente que se harmoniza plenamente com as vinhas.
Afinal, estas vinhas crescem há milénios com certas espécies de plantas que podem ser consideradas, na verdade, como suas amigas, protetoras e fiéis compagnons de route.
O papel da fauna na formação do terroir é menos evidente, mas igualmente importante.
Certos insetos, especialmente aqueles que são predadores naturais das pragas da vinha, exibem um efeito assinalável na sua saúde de longo prazo.
Exemplos são as joaninhas, as libelinhas e os louva-a-deus. Entre as aves, destacam-se insetívoros como os piscos ou os chapins.
O chapim-azul, em particular, é talvez o maior destruidor dos afídeos e cochonilhas que tantas vinhas afetam.
As aves também auxiliam na dispersão de sementes e na expansão da flora autóctone.
A presença destes animais reduz a necessidade de pesticidas e permite que as videiras prosperem num ambiente mais salutar.
E é claro, nunca deveremos esquecer o papel basilar de espécies polinizadoras como as abelhas e as borboletas.
Direta e indiretamente, todos estes animais influem a expressividade do terroir.
Os organismos menos visíveis ou mais esquecidos - fungos, bactérias e leveduras – podem fazer ou desfazer a saúde das videiras.
Além disso, através da fermentação, também demarcam o sabor, aroma, textura e demais facetas dos vinhos.
Tanto à superfície como abaixo desta, existe uma comunidade de microrganismos que interage com as videiras, que ajuda a decompor matéria orgânica e que disponibiliza nutrientes para as plantas.
A composição destas comunidades microbianas varia de vinha para vinha, contribuindo para o caráter único do solo e - por extensão - das uvas que nele crescem.
No Dão, por exemplo, as comunidades microbianas que vivem em condições inférteis e rochosas ajudam a que as videiras extraiam água e alimento dos solos.
Tais interações podem modelar o teor mineral do vinho, a sua acidez e até a sua complexidade global.
Estas comunidades diferem de vinha para vinha, mesmo dentro da mesma região. Este facto indicia que a diversidade microbiana é um elemento-chave do terroir.
Assim sendo, ao promover populações microbianas sãs através de práticas sustentáveis, os viticultores podem realçar a manifestação natural da terra nos seus vinhos.
O terroir é o meio pulsátil e dinâmico onde nascem os vinhos. As videiras que lhe dão origem não existem isoladas – fazem parte de um todo maior onde a esfera natural e a cultural se intersectam para formar a individualidade de um vinho.
É isto que faz do terroir um conceito tão difuso, tão complexo, mas tão cativante.
Por isso, da próxima vez que caminhar entre vinhas, olhe em volta e tente captar a invisível mas intrincada dança entre natureza e mão humana. Esperemos é que não chova.